Raça e etnia são conceitos usados por teorias que tentaram explicar a questão das diferenças e desigualdades na espécie humana. Enquanto a etnia baseia-se em características culturais comuns aos membros de uma coletividade, que podem ser apreendidas e ressignificadas, a raça é diferenciada por marcadores considerados biológicos e hereditários. Portanto, a classificação racial é baseada em variações genéticas e na aparência física, sobretudo na cor da pele, enquanto a etnia descreve o vínculo a um meio formativo cultural comum a um grupo. 6s6pw
Leia também: O que é cultura?
A raça é um grupo populacional que possui em comum um conjunto de características físicas (fenotípicas) hereditárias, que se transformam por meio da relação com o meio ambiente e da miscigenação. Dizemos que um indivíduo pertence a uma raça se ele possuir esse conjunto de características diferenciadoras.
A etnia, por outro lado, baseia-se na similaridade intrínseca fundamentada na herança cultural transmitida pelos anteados, sendo a cultura uma fonte de ligação com os anteados. Dizemos que um indivíduo pertence a uma etnia se ele compartilha com seu grupo étnico uma mesma língua, uma mesma tradição cultural e histórica, uma mesma religião e, sobretudo, uma consciência coletiva de pertencimento a essa comunidade. A participação dessa consciência coletiva resulta na etnicidade, ou seja, o sentimento de pertença a uma etnia específica.
Ao longo do século XX, houve uma agem do uso de etnia para etnicidade. A mudança foi provocada em grande parte pelos intensos processos de mudança social provocados pelo fim dos impérios coloniais europeus, pela fundação de novas nações na África e por várias ondas de imigração.
Leia também: O que é uma nação?
Enquanto a raça ocorre em termos de diferenças físicas que seriam biologicamente herdadas, as fronteiras entre diferentes etnias são demarcadas por fatores culturais. A diferença fundamental é que a palavra raça seria usada para descrever grupos distintos segundo o fenótipo e traços biológicos, como o sangue e o formato do crânio, enquanto a etnia depende do pertencimento a algum grupo étnico — povoado, sociedade, nação — com modelos culturais próprios.
Os conceitos de raça e etnia apresentam em comum o fato de serem usados para compreender as diferenças e as desigualdades na espécie humana. Contudo, ao contrário da etnia, a ideia de raça incluiu por muito tempo a crença de que a hereditariedade alcançaria as características morais e intelectuais dos membros de um grupo social. A ideia de etnia, por outro lado, rejeita a crença de que os valores culturais poderiam ser transmitidos pelo sangue, pelos fluidos humanos ou pela linhagem.
Outra diferença entre raça e etnia está nas origens das palavras. A palavra etnia tem origem na Grécia Antiga. Etnia vem de ethnos, isto é, povo ou nação diferente dos próprios gregos. Sendo assim, a palavra etnia era usada para descrever pessoas que estavam fora dos limites das cidades e da ordem política, social e moral dos cidadãos gregos, os habitantes da polis. Portanto, o termo etnia foi uma das primeiras formas de diferenciar um “nós” (cidadãos) dos “outros” (etnias).
A palavra “raça” surgiu muitos anos depois, no século XV, na Península Ibérica, entre criadores de cavalos, para se referir a uma diferenciação de linhagens. Posteriormente, foi usada para se referir a virtudes e defeitos transmitidos em diferentes linhagens da nobreza, isto é, a classe daqueles indivíduos que afirmavam ser, por uma questão de nascimento, diferentes e superiores aos demais. Assim, antes de conquistar e colonizar os demais povos, os europeus já usavam a raça para justificar seus privilégios e a natureza divina de suas virtudes.
A ideia de raça foi acionada durante todo o longo processo histórico de conquista da América e de outros continentes, o que envolveu a escravização e a subordinação dos povos conquistados, especialmente indígenas e africanos, e esses povos aram a ser marcados e diferenciados por suas características raciais.
O racismo é uma ideologia derivada da ideia moderna de raça, que foi difundida no mundo a partir da Europa Ocidental, no século XV, quando o racismo se espalhou por meio dos colonizadores europeus em diversos continentes.
As etnias do Brasil são classificadas a partir de uma característica racial: a cor. Segundo o IBGE, a população brasileira é classificada em pardos (43,1%), pretos (7,6%), brancos (47,7%), indígenas (0,4%) e amarelos (1,1%). O grupo dos negros é formado pelo somatório dos que se autodeclaram pretos e pardos, totalizando a maioria da população brasileira (51%).
As raças e etnias do Brasil são os diferentes grupos envolvidos desde os primórdios da formação do povo brasileiro. Geralmente, a história das raças e etnias do Brasil começa pelos habitantes originais (indígenas), aos quais se somaram sucessivas ondas de europeus (principalmente portugueses) e africanos (a maioria de etnias da costa oeste, ao sul do Saara). No século XIX, estabeleceram-se novos fluxos migratórios importantes originários da Itália, Alemanha, Espanha e Líbano.
Mais tarde, na primeira metade do século XX, como consequência da Segunda Guerra Mundial e pressão econômica, um considerável número de imigrantes veio do Japão, criando o maior contingente de descendentes de japoneses fora do Japão.
Além da mistura e da miscigenação, cada etnia do Brasil criou e delimitou as fronteiras ao seu redor. Esses limites produzem a etnicidade, isto é, o sentimento de identificação com cada grupo étnico. Sendo assim, observamos que cada etnia do Brasil está atravessada por múltiplas etnicidades, diversas identidades que estão continuamente movendo as fronteiras que existem entre elas, mas sempre com o objetivo de manter a diferenciação entre aqueles que estão dentro e aqueles que estão fora das fronteiras étnicas.
Entre as raças e etnias do Brasil, as comunidades quilombolas, com o objetivo de exercer seus direitos humanos, entre os quais o direito à identidade, têm o direito reconhecido pelo Conselho Nacional de Educação ao uso de currículos, pedagogias próprias e formação docente específica para suas escolas. Esse direito é fundamental para que essas etnias continuem a demarcar os limites que distinguem os quilombolas de outros grupos étnicos, especialmente o grupo da sociedade nacional, que tende a organizar o currículo das escolas em pedagogias e conteúdos eurocêntricos, o que seria uma tragédia para a etnicidade quilombola.
(Unesp) No Brasil, para uma população 54% negra (incluídos os pardos), apenas 14% dos juízes e 2% dos procuradores e promotores públicos são negros. Juízes devem ser imparciais em relação à cor, credo, gênero, e os mais sensíveis desenvolvem empatia que lhes permite colocar-se no lugar dos mais desfavorecidos socialmente. Nos Estados Unidos, várias ONGs dedicam-se a defender réus já condenados. Como resultado do trabalho de apenas uma delas, 353 presos foram inocentados em novos julgamentos desde 1989. Desses, 219 eram negros. No Brasil, é uma incógnita o avanço social que seria obtido por uma justiça cega à cor.
(Mylene Pereira Ramos. “A justiça tem cor?”. Veja, 24.01.2018. Adaptado.)
Sobre o funcionamento da justiça, pode-se afirmar que:
A) o preconceito étnico é fenômeno exclusivamente subjetivo e sem implicações na esfera pública.
B) a neutralidade e objetividade no julgamento não estão sujeitas a fatores de natureza psicológica.
C) a disparidade da composição étnica entre réus e juízes é um fator de crítica à atuação do Judiciário.
D) a isenção jurídica é garantida por critérios objetivos que independem da origem étnica ou social.
E) a imparcialidade nos julgamentos é fator que torna desnecessária a adoção de políticas afirmativas.
Resposta:
Alternativa correta: C.
O texto do enunciado deixa evidente os marcadores de raça e etnia que determinam a composição da Justiça brasileira, provocando uma disparidade da composição étnica entre os que julgam e os que são julgados.
Fontes
RIOS, Flávia; RATTS, Alex; SANTOS, Márcio André dos (org.). Dicionários das relações étnico-raciais contemporâneas. São Paulo: Perspectiva, 2023.
BENTO, Maria Aparecida Silva. Cidadania em Preto e Branco – Discutindo as relações raciais. São Paulo: Ática, 2001.
Fonte: Brasil Escola - /sociologia/raca-etnia.htm